Desde muito cedo
que nos ensinam a arrumar; quer seja os nossos objetos ou pertences, quer as
ideias ou pensamentos. Primeiro em casa instituindo prioridades. Sentimentos
como: amor, carinho, amizade, partilha, companheirismo, respeito mútuo; atitudes
onde o saber ser e estar é irrepreensível, comportamentos adequados, civismo e disciplina,
são sem dúvida os primordiais da natureza humana, são as bases fundamentais
para a pirâmide que queremos construir. Jamais podemos esquecer que é em casa a nossa
primeira estância na educação. Depois e continuamente na creche ou escola, com
regras e rotinas que nos dirigem para uma aprendizagem e
desenvolvimento saudável, com mais e melhor formação. Posteriormente no emprego ou em sociedade; o empenho, a
dedicação, o profissionalismo, a concordância, a responsabilidade, os direitos
e deveres, a solidariedade social, a partilha de saberes, e assim continuamente
ao longo de toda a nossa vida. Deste modo, construímos uma identidade e
afirmação enquanto indivíduo, o nosso desenvolvimento cognitivo, pessoal e
social está repleto de ideias e valores que de modo mais ou menos organizado
vamos acomodando mentalmente.
Crescemos, degrau a degrau, com a informação
perfeitamente assimilada do certo ou errado, com obrigações e necessidades
demasiado conhecidas e onde dificilmente existe espaço para as diferenças, não nos
é permitido desarrumar, estamos metodicamente formatados. Ora, quando nos confrontámos
com divergentes conceitos e nos exigem um pensamento distinto e objetivo é
claro que torna-se demasiado difícil de acomodar, pois o puzzle estava planeado
e dirigido para assentar com as peças anteriormente programadas. Perante o desconhecido
e com grande embaraço, sobressai a incapacidade de ação, tentamos de imediato analisar
a razão, mas sem compreender o gigantesco desarrumo que nos provocaram. O
incógnito é geralmente sinónimo de medo e diante as diversidades preferimos reforçar
os valores anteriormente incutidos, em prol do menor distúrbio ou desordem.
Assim, privámo-nos e remetermo-nos à nossa humilde e discreta compreensão,
mesmo que a nossa mente cobiçasse mais.
Arrumar /
desarrumar parece tarefa fácil, mas quando é necessário organizar ideias, acomodar
os sonhos amontoados, compreender novas crenças, libertar preconceitos,
atualizar e abraçar novos conhecimentos; a harmonia entre todos estes elementos
é missão muito delicada de concretizar. É fácil fazer juízos, difícil é
compartilhar. Às vezes é necessário desarrumar para mais facilmente perceber e
entender as várias preferências, gostos, atitudes ou procedimentos. O mais
curioso é que depois de desarrumar até compreendemos que afinal esteve muito
tempo mal arrumado.

Iguais ou desiguais, devemos acolher, acomodar devidamente nas gavetas que
dispomos e como verificámos é preciso um desarrumo para um arrecadar de novos
saberes. Temos que deixar um espaço aberto na nossa (gaveta) para uma eventual
mudança, proporcionar variantes, estar preparados para o inesperado.
Esta pequena reflexão
surgiu a propósito de alguém dizer que está tudo demasiado arrumado, tudo muito
certinho. É verdade, e mesmo com a consciência de que ainda existe muito espaço
para compartilhar, é frequente fazermos como a tartaruga, esconder a cabeça debaixo
da carapaça. Será que é para nos proteger? Constato que não e creio que o
receio da exposição e vulnerabilidade a que nos sujeitámos quando as questões
são pertinentes e o nosso saber nos trai com argumentos desprovidos é esta a
principal causa de tal atitude.