domingo, 7 de outubro de 2012

Arrumar/Desarrumar

Desde muito cedo que nos ensinam a arrumar; quer seja os nossos objetos ou pertences, quer as ideias ou pensamentos. Primeiro em casa instituindo prioridades. Sentimentos como: amor, carinho, amizade, partilha, companheirismo, respeito mútuo; atitudes onde o saber ser e estar é irrepreensível, comportamentos adequados, civismo e disciplina, são sem dúvida os primordiais da natureza humana, são as bases fundamentais para a pirâmide que queremos construir. Jamais podemos esquecer que é em casa a nossa primeira estância na educação. Depois e continuamente na creche ou escola, com regras e rotinas que nos dirigem para uma aprendizagem e desenvolvimento saudável, com mais e melhor formação. Posteriormente no emprego ou em sociedade; o empenho, a dedicação, o profissionalismo, a concordância, a responsabilidade, os direitos e deveres, a solidariedade social, a partilha de saberes, e assim continuamente ao longo de toda a nossa vida. Deste modo, construímos uma identidade e afirmação enquanto indivíduo, o nosso desenvolvimento cognitivo, pessoal e social está repleto de ideias e valores que de modo mais ou menos organizado vamos acomodando mentalmente.
 Crescemos, degrau a degrau, com a informação perfeitamente assimilada do certo ou errado, com obrigações e necessidades demasiado conhecidas e onde dificilmente existe espaço para as diferenças, não nos é permitido desarrumar, estamos metodicamente formatados. Ora, quando nos confrontámos com divergentes conceitos e nos exigem um pensamento distinto e objetivo é claro que torna-se demasiado difícil de acomodar, pois o puzzle estava planeado e dirigido para assentar com as peças anteriormente programadas. Perante o desconhecido e com grande embaraço, sobressai a incapacidade de ação, tentamos de imediato analisar a razão, mas sem compreender o gigantesco desarrumo que nos provocaram. O incógnito é geralmente sinónimo de medo e diante as diversidades preferimos reforçar os valores anteriormente incutidos, em prol do menor distúrbio ou desordem. Assim, privámo-nos e remetermo-nos à nossa humilde e discreta compreensão, mesmo que a nossa mente cobiçasse mais.
Arrumar / desarrumar parece tarefa fácil, mas quando é necessário organizar ideias, acomodar os sonhos amontoados, compreender novas crenças, libertar preconceitos, atualizar e abraçar novos conhecimentos; a harmonia entre todos estes elementos é missão muito delicada de concretizar. É fácil fazer juízos, difícil é compartilhar. Às vezes é necessário desarrumar para mais facilmente perceber e entender as várias preferências, gostos, atitudes ou procedimentos. O mais curioso é que depois de desarrumar até compreendemos que afinal esteve muito tempo mal arrumado.
 Um armário, cheio de (gavetas) bem organizado, alinhado e cuidadosamente arrumado, com lenços, peúgas, cintos ou gravatas ,dispostos por cores e tamanhos; de inverno ou verão, disponíveis de modo que o seu manusear, a nossa rotina seja um ato mecânico, sem confusão, é o modo perfeito, mas, e se no caminho até à (gaveta) se desacertam? Será o seu desencontro causado pela sua singularidade ou simplesmente não fizeram o mesmo trajeto?
Iguais ou desiguais, devemos acolher, acomodar devidamente nas gavetas que dispomos e como verificámos é preciso um desarrumo para um arrecadar de novos saberes. Temos que deixar um espaço aberto na nossa (gaveta) para uma eventual mudança, proporcionar variantes, estar preparados para o inesperado.
Esta pequena reflexão surgiu a propósito de alguém dizer que está tudo demasiado arrumado, tudo muito certinho. É verdade, e mesmo com a consciência de que ainda existe muito espaço para compartilhar, é frequente fazermos como a tartaruga, esconder a cabeça debaixo da carapaça. Será que é para nos proteger? Constato que não e creio que o receio da exposição e vulnerabilidade a que nos sujeitámos quando as questões são pertinentes e o nosso saber nos trai com argumentos desprovidos é esta a principal causa de tal atitude.